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A dualidade de Istambul

Bizâncio, Constantinopla, Istambul, três nomes de um mesmo lugar em constante transformação.

Metrópole vibrante, banhada pelo Mar de Mármara, que é ligado ao Mar Negro pelo Estreito de Bósforo, situa-se na confluência da Europa e da Ásia. São dois continentes que se ligam, duas culturas, onde os dois caminhos são rapidamente transponíveis e mesclados de forma aparentemente natural. Istambul é dual.

De um lado, sua verve moderna aceita, dialoga ou luta, como fazem, por exemplo, estudantes insatisfeitos com a política do governo na Praça Taksim (termo que deriva do árabe “taqsim” e que significa distribuição ou divisão); de outro, logo mais adiante, homens pescam placidamente em meio ao movimento da tarde da metrópole, em pleno meio da semana e debruçados na amurada da ponte, e ainda, noutro canto, a religiosidade muçulmana mantém um bairro santo, um cemitério a céu aberto, onde antigos turcos abastados quiseram repousar junto ao companheiro Maomé, que segundo a ideia da época, lá tombou.

Em pleno século XXI, esse lugar santo é dedicado a súplicas e orações e cada vez que um pedido é atendido é oferecido um cordeiro em sacrifício a Alá. Para tanto, carneirinhos são reunidos numa área onde um pode ser o escolhido e imolado; sua carne é dividida e doada aos necessitados. A fila de espera da carne é visível… Em cada esquina, uma história.

A cisterna dos anos 532, construída na época bizantina, utiliza 336 colunas romanas procedentes de templos pagãos da Anatólia, tem 10.000 metros quadrados de área e capacidade para 30 milhões de litros. Abasteceu a cidade até finais do século XIV como cisterna de água, foi várias vezes restaurada, mas ainda mantém o encanto da medusa que a protegia.

A Mesquita azul é um triunfo da harmonia, da proporção e elegância. Construída em estilo clássico otomano, tem 43 metros de altura e é a única com seis minaretes. Seu interior suntuoso é revestido com azulejos azuis, adornado com vitrais no mesmo tom dos azulejos e forrado com um tapete imenso e belíssimo, um ambiente que deslumbra qualquer visitante.

Entretanto, é um lugar de oração. Homens rezam na parte de baixo e mulheres nas laterais, com respeito e silêncio. Silêncio esse que deve ser respeitado pelos visitantes, bem como a observação de trajes adequados e cabeça coberta para as mulheres. A catedral de Santa Sofia data dos anos 500 e foi construída para celebrar o Cristianismo instituído por Constantino.

Era adornada com belíssimos afrescos da Virgem e dos santos, que foram cobertos com mármore na tomada de Constantinopla pelos turcos islâmicos e iconoclastas; em seu lugar foram introduzidos noventa e nove vitrais em honra aos noventa e nove nomes de Alá.

Hoje, deixou de ser um santuário; é um museu que carrega toda sua sacralidade e ainda, para muitos, local de honras e orações. Os sultões que conquistaram Constantinopla professavam o islamismo e no auge do Império Otomano, habitaram o Palácio Topkap.

Esse local absolutamente incrível mantém abertas algumas salas para visitação pública, o que deixa qualquer pessoa pasmada diante do fausto, luxo e aparato que cercava a vida daqueles soberanos e suas odaliscas. Joias, ouro, pedras preciosas em quantidade incomparável, brilhante do tamanho de um figo, tudo exposto com sofisticados equipamentos de segurança. Salas adornadas com tulipas, narcisos, figuras geométricas e rendilhados serviam de ambientes para o sultão – sempre com medo de atentado fazia-se acompanhar por um paxá – receber embaixadores que não deveriam olhar para ele, e sim para baixo, com dois guardas empurrando seus ombros. Era o suprassumo do poder, ancorado também no ouro e nas pedras preciosas que adornavam punhais, adagas, espadas, turbantes, anéis e colares. Para manter saúde, vigor, descanso e bem estar com suas odaliscas, os sultões caminhavam por quatro magníficos jardins que abraçam as dependências do palácio.

E para que as odaliscas se apresentassem a eles macias e cheirosas, eram encaminhadas à casa de banho turco Hamani. Vale lembrar que o palácio funciona apenas como museu, mas a casa Hamani, construída em 1556, funciona até hoje, onde qualquer uma de nós pode usufruir das delícias de ser banhada, massageada e perfumada, pagando, claro, quantia razoável. Ataturk, guerreiro e transformador da Turquia, viveu de forma modesta e se contentou em trabalhar e despachar no Palácio Dolmabahce, também belo, confortável e bem localizado, mas sem o luxo e riqueza do Topkap. Istambul tem muito mais. Tem o Grande Bazar, tem história pra muitos parágrafos. Tem até o Berço de Ouro, feito em ouro maciço e adornado com pedras preciosas, que acolheu alguns sultõezinhos. Quem for até lá, verá!

Texto : Estella Bouças Correa.